Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Perla Ribeiro
Nunca houve um baiano que chegou ao posto máximo da Igreja Católica, mas se engana quem pensa que nenhum conterrâneo nunca tentou o feito. Sim, um baiano de Salvador já alimentou o sonho de ser papa e fez malabarismos para tentar ocupar o mais alto posto no Vaticano. Trata-se de Antônio Dias Quaresma (1681–1756), um senhor de escravos que acreditava ter sido escolhido por Deus para liderar a Igreja Católica. Dono de terras e minas, ele protagonizou diversos escândalos pessoais, viveu em diversas regiões do Brasil e, aos 52 anos, ordenou-se padre na Ordem dos Servos de Maria, em Roma, adotando o nome de frei Uguccione Maria Antônio. >
Autodidata, leitor e escritor compulsivo, profundamente envolvido com textos místicos e sobre espiritualidade, Quaresma, que viveu também nos estados de São Paulo e Minas Gerais, constituiu família e acumulou bens ao longo da vida. Mas, em determinado momento, ou por uma conversão radical. Abandonou tudo e partiu para a Europa em busca de seus presságios. Já no Velho Mundo, ou por uma experiência mística durante uma peregrinação à Santa Casa de Loreto, na Itália. Foi então que decidiu deixar tudo para trás e seguir o que acreditava ser o seu destino. Em menos de um ano se ordenou padre.>
Em Roma, ficou conhecido como "o santo vindo das terras do Além-Mar". Isso o fez alimentar o sonho grandioso de se tornar o próximo Papa — sonho que, apesar de não se concretizar, deixou marcas na Ordem religiosa à qual se vinculou, como um legado de documentos históricos raros de se encontrar para a Época Moderna, e sobretudo para a História do Brasil Colonial. >
“Apesar de um percurso mirabolante, digno de uma ficção, ele foi real, existiu e até o último momento acreditava que poderia vir a ser Papa. A trajetória desse brasileiro demonstra como são absorvidas ideias messiânicas e como elas se entrelaçam com projetos de poder a fim de interferir nos rumos da História, pese ele não ter alcançado o seu intento, destaca a historiadora Maria Lêda Oliveira, autora do livro O Baiano que Sonhou Ser Papa.>
Doutora em História, Maria Lêda explica que Antônio construiu sua própria percepção de mundo, num universo em que luz e escuridão andavam juntas. "Sua história é um alerta de que o racionalismo e o ideal de progresso sempre foram, e continuam sendo desafiados por concepções particulares, visões messiânicas e projetos de poder", pondera a autora.>